Massa total de micróbios que habitam profundezas da Terra é centenas de vezes maior do que a de todos os seres humanos juntos
Projeto mapeou seres vivos que vivem em condições extremas
Gaetan Borgonie, Extreme Life Isyensya, Belgium
Um nematóide (eucariota) em um biofilme de micro-organismos. Este nematoide não identificado (Poikilolaimus sp.) da mina de ouro de Kopanang, na África do Sul, vive 1,4 km abaixo da superfície.
A vida na Terra Profunda corresponde a 15 a 23 bilhões de toneladas de carbono - centenas de vezes mais do que a dos corpos de todos os seres humanos somados.
Certas bactérias "zumbis", das quais mal se pode dizer que estão vivas, e outras formas de vida constituem uma imensa quantidade de carbono que se esconde nas profundezas da Terra. No total, elas representam de 245 a 385 vezes mais do que a massa de carbono combinada de todos os seres humanos na superfície. É o que descobriu um projeto científico internacional que por dez anos vasculhou os segredos mais íntimos da Terra.
Estas e outras descobertas feitas pelos participantes do projeto Observatório de Carbono Profundo foram relatadas segunda-feira, véspera da reunião anual da União Geofísica Americana. Entre os achados apresentados estavam a quantidade e a diversidade de formas de vida que existem na subsuperfície profunda, enfrentando extremos de pressão, temperatura e baixa disponibilidade de nutrientes.
Ao perfurar 2,5 km sob o leito marinho, e coletar amostras micróbios de minas continentais e poços de mais de 5 km de profundidade, os cientistas obtiveram resultados que lhes permitiram construir modelos do ecossistema que existe nas profundezas do planeta.
Baseando-se no levantamento feito em centenas de locais sob continentes e mares, eles se aproximaram do tamanho da biosfera profunda - 2 a 2,3 bilhões de quilômetros cúbicos (quase o dobro do volume de todos os oceanos) - bem como da massa de carbono da vida profunda: 15 a 23 bilhões de toneladas (uma média de pelo menos 7,5 toneladas de carbono por quilômetro cúbico abaixo da superfície).
O trabalho também ajuda a determinar os tipos de ambientes extraterrestres que poderiam sustentar a existência de vida.
Entre muitas descobertas importantes destacam-se:
-A biosfera profunda constitui um mundo que pode ser visto como uma espécie de Galápagos subterrânea, e inclui membros de todos os três domínios da vida: bactérias, archaea (micróbios sem núcleo ligado à membrana) e eucariontes (micróbios ou organismos multicelulares com células que contêm um núcleo, bem como organelas ligadas à membrana).
-Dois tipos de micróbios - bactérias e archaea - dominam a Terra Profunda. Existem milhões de tipos distintos, a maioria ainda a ser descoberta ou caracterizada. Essa assim chamada "matéria escura" microbiana amplia dramaticamente nossa perspectiva sobre a árvore da vida. Cientistas da vida subterrânea dizem que cerca de 70% das bactérias e archaea da Terra vivem no subsolo.
-Micróbios profundos são frequentemente muito diferentes de seus primos da superfície, com ciclos de vida em escalas de tempo quase geológicas, se alimentando, em alguns casos, de nada mais do que a energia das rochas
-A diversidade genética da vida abaixo da superfície é comparável ou supera a de cima da superfície.
-Embora as comunidades microbianas subsuperficiais difiram muito entre os ambientes, certos gêneros e grupos taxonômicos superiores são onipresentes - eles aparecem por todo o planeta.
-A riqueza da comunidade microbiana está relacionada à idade dos sedimentos marinhos, onde as células são encontradas - sugerindo que nos sedimentos mais antigos, a energia dos alimentos diminuiu com o tempo, reduzindo a comunidade microbiana.
-Os limites absolutos da vida na Terra em termos de temperatura, pressão e disponibilidade de energia ainda não foram encontrados. Os registros são continuamente quebrados. Um candidato a organismo mais quente da Terra no mundo natural é o Geogemma barossii, um organismo unicelular que se desenvolve em fontes hidrotermais no fundo do mar. Suas células, minúsculas esferas microscópicas, crescem e se replicam a 121 graus Celsius (21 graus mais quentes que o ponto de ebulição da água). A vida microbiana pode sobreviver até 122° C, o recorde alcançado em uma cultura de laboratório (em comparação, o recorde do local mais quente habitado na superfície da Terra é um deserto iraniano desabitado, a temperatura é de cerca de 71°C - a temperatura de um bife bem-passado)
-A profundidade recorde em que a vida foi encontrada no subsolo continental é de aproximadamente 5 km; o recorde em águas marinhas é de 10,5 km da superfície do oceano, uma profundidade de extrema pressão; a uma profundidade de 4000 metros, por exemplo, a pressão é aproximadamente 400 vezes maior do que a do nível do mar.
A precisão cada vez maior e o custo decrescente do sequenciamento de DNA, juntamente com avanços nas tecnologias de perfuração em águas profundas (pioneirismo do navio científico japonês Chikyu, projetado para perfurar em muito o solo marinho em algumas das regiões mais ativas sismicamente do planeta) tornou possível aos pesquisadores dar o primeiro olhar detalhado sobre a composição da biosfera profunda.
Existem esforços comparáveis para perfurar cada vez mais profundamente os ambientes continentais, usando dispositivos de amostragem que mantêm a pressão para que a vida microbiana seja preservada (acredita-se que eles não representem nenhuma ameaça ou benefício à saúde humana).
Para estimar a massa total da vida subcontinental profunda da Terra, por exemplo, os cientistas compilaram dados sobre a concentração de células e a diversidade microbiana de diversos locais ao redor do globo.
Liderados por Cara Magnabosco, do Centro de Biologia Computacional do Instituto Flatiron, em Nova York, uma equipe internacional de pesquisadores e cientistas que pesquisam a subsuperfície criaram um conjunto de considerações, incluindo o fluxo de calor global, temperatura, profundidade e litologia - características físicas das rochas em cada local - para estimar que o subsolo continental hospeda 2 a 6 × 10 ^ 29 células.
Combinado com as estimativas da vida subsuperficial sob os oceanos, a biomassa global total da Terra Profunda é de aproximadamente 15 a 23 petagramas (15 a 23 bilhões de toneladas) de carbono.
De acordo com Mitch Sogin, do Laboratório Biológico Marinho Woods Hole, EUA e copresidente da comunidade Deep Life da DCO que conta com mais de 300 pesquisadores em 34 países: “Explorar o subsolo profundo é semelhante à exploração da floresta amazônica. Há vida em toda parte e em toda parte há uma imensa abundância de organismos inesperados e incomuns.”
“Estudos moleculares aumentam a probabilidade de que a matéria escura microbiana seja muito mais diversa do que conhecemos atualmente, e as linhagens mais ramificadas desafiam o conceito de três domínios introduzido por Carl Woese em 1977. Talvez estejamos nos aproximando de um nexo onde os primeiros possíveis padrões de ramificação podem ser acessíveis por meio da investigação da vida útil profunda.
"Há dez anos, sabíamos muito menos sobre as fisiologias das bactérias e micróbios que dominam a biosfera abaixo da superfície", diz Karen Lloyd, da Universidade do Tennessee, em Knoxville, EUA. "Hoje, sabemos que, em muitos locais, elas investem a maior parte de sua energia simplesmente para manter sua existência e pouco no crescimento, o que é uma maneira fascinante de viver."
"Hoje também sabemos que a vida na subsuperfície é comum. Dez anos atrás, tínhamos amostrado apenas alguns locais - os tipos de lugares que esperávamos encontrar a vida. Agora, graças à amostragem ultra profunda, sabemos que podemos encontrá-la em praticamente todos os lugares, embora a amostragem tenha alcançado, obviamente, apenas uma parte mínima da biosfera profunda."
“Nossos estudos de micróbios da biosfera profunda produziram muito conhecimento novo, mas também uma percepção e apreciação muito maior do quanto ainda precisamos aprender sobre a vida no subsolo”, diz Rick Colwell, da Universidade Estadual de Oregon, nos EUA. "Por exemplo, os cientistas ainda não conhecem todas as formas em que a vida subterrânea afeta a vida da superfície e vice-versa. E, por enquanto, só podemos nos maravilhar com a natureza dos metabolismos que permitem que a vida sobreviva às extremamente empobrecidas e proibitivas condições para a vida na Terra profunda”.
"Uma década atrás, não tínhamos ideia de que as rochas sob nossos pés poderiam ser tão vastamente habitadas. Investigações experimentais nos disseram que micróbios poderiam sobreviver a grandes profundidades; na época, não tínhamos provas, e isso se mostrou real apenas dez anos depois. Isso é simplesmente fascinante e certamente encorajará o entusiasmo em procurar a margem biótico-abiótica na Terra e em outros lugares”, disse Isabelle Daniel, da Universidade de Lyon 1, na França.
Entre os muitos enigmas remanescentes da vida profunda na Terra estão:
Movimento: Como a vida profunda se espalha - lateralmente através de rachaduras nas rochas? Para cima? Para baixo? Como pode a vida profunda ser tão semelhante na África do Sul e em Seattle, Washington? Ela teve origem semelhante e os seres foram separados por placas tectônicas, por exemplo? Ou as próprias comunidades se modificam? Que papéis os grandes eventos geológicos (como placas tectônicas, terremotos, criação de grandes províncias ígneas, bombardeios meteoríticos) desempenham em movimentos profundos da vida?
Origens: A vida começou nas profundezas da Terra (seja dentro da crosta, perto de fontes hidrotermais ou em zonas de subducção) e depois migrou em direção ao Sol? Ou a vida começou em um pequeno lago de superfície quente e desceu? Como os zumbis microbianos subsuperficiais se reproduzem ou vivem sem se dividir por milhões a dezenas de milhões de anos?
Energia: O metano, o hidrogênio ou a radiação natural (do urânio e outros elementos) são a fonte de energia mais importante para a vida profunda? Quais fontes de energia profunda são mais importantes nas diferentes configurações? Como a ausência de nutrientes, temperaturas e pressões extremas impactam a distribuição microbiana e a diversidade no subsolo?
“Mesmo no escuro e em condições energicamente desafiadoras, os ecossistemas intraterrestres evoluíram e persistiram durante milhões de anos. Expandir nosso conhecimento sobre a vida profunda inspirará novos conhecimentos sobre a habitabilidade planetária, levando-nos a entender por que a vida surgiu em nosso planeta e se a vida persistiria no subsolo marciano e em outros corpos celestes”, diz Fumio Inagaki, da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia da Terra e Marinha.
Deep Carbon Observatory
Scientific American Brasil