quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Nova teoria poderia explicar natureza da parte escura do Cosmo


Cientistas propõem que um fluido capaz de gerar gravidade negativa poderia explicar o sumiço de 95% da massa do Universo

mandritoiu / Fotolia

Cientistas da Universidade de Oxford podem ter resolvido uma das maiores questões da física moderna em um novo artigo que unifica a matéria escura e a energia escura em um único fenômeno: um fluido que possui "massa negativa". Se você empurrar uma massa negativa, ela acelera em sua direção. Esta nova teoria surpreendente também pode comprovar uma previsão que Einstein fez 100 anos atrás.

Nosso modelo atual e amplamente reconhecido do Universo, chamado LambdaCDM, não nos diz nada sobre o que a matéria escura e a energia escura são em termos físicos. Nós só sabemos da existência delas por causa dos efeitos gravitacionais que elas têm na matéria observável.

Este novo modelo, publicado quarta-feira (5) na revista Astronomy and Astrophysics, por Jamie Farnes, do Departamento de Ciências da Engenharia do Centro de Pesquisa de Oxford, oferece uma nova explicação. Farnes diz: "Agora acreditamos que tanto a matéria escura como a energia escura podem ser unificadas em um fluido que possui um tipo de `gravidade negativa`, repelindo todos os outros materiais à sua volta. Embora este assunto seja peculiar para nós, ele sugere que o cosmos é simétrico em qualidades positivas e negativas ".

A existência de matéria negativa havia sido descartada anteriormente, já que se pensava que esse material se tornaria menos denso à medida que o Universo se expande, o que contraria nossas observações que mostram que a energia escura não diminui com o tempo. No entanto, a pesquisa de Farnes aplica um "tensor de criação", que permite que massas negativas sejam continuamente criadas. Isso demonstra que, quando mais e mais massas negativas estão continuamente surgindo, esse fluido de massa negativa não se dilui durante a expansão do Cosmo. De fato, o fluido parece ser idêntico à energia escura.

A teoria de Farnes também fornece as primeiras previsões corretas do comportamento dos halos de matéria escura. A maioria das galáxias está girando tão rapidamente que deveriam se dilacerar, o que sugere que um "halo" invisível de matéria escura deve mantê-las juntas. A nova pesquisa apresenta uma simulação computacional das propriedades da massa negativa, que prevê a formação de halos de matéria escura exatamente como os inferidos por observações usando radiotelescópios modernos.

Albert Einstein forneceu o primeiro indício do Universo "escuro" exatamente há 100 anos, quando descobriu um parâmetro em suas equações conhecido como constante cosmológica, que agora sabemos ser sinônimo de energia escura. Einstein notoriamente chamou a constante cosmológica de seu "maior erro", embora as observações astrofísicas modernas provem que é um fenômeno real. Em notas que datam de 1918, Einstein descreveu sua constante cosmológica, escrevendo que "uma modificação da teoria é necessária já que o `espaço vazio` assume o papel de massas de gravidade negativa que estão distribuídas por todo o espaço interestelar". Portanto, é possível que o próprio Einstein previsse um Universo cheio de massa negativa.

Farnes diz: "As abordagens anteriores para combinar a energia escura e a matéria escura tentaram modificar a teoria da relatividade geral de Einstein, o que se mostrou ser incrivelmente desafiador. Essa nova abordagem utiliza duas idéias antigas que são reconhecidas como compatíveis com a teoria de Einstein. - massas negativas e criação de matéria - e as combina.

"O resultado parece bastante bonito: a energia escura e a matéria escura podem ser unificadas em uma única substância, sendo ambos os efeitos simplesmente explicáveis como matéria de massa positiva surfando em um mar de massas negativas".

A prova que a teoria de Farnes precisa virá de testes realizados com um radiotelescópio de ponta conhecido como Square Kilometer Array (SKA), um esforço internacional para construir o maior telescópio do mundo no qual a Universidade de Oxford está colaborando.

Farnes acrescenta: “Há ainda muitas questões teóricas e simulações computacionais para serem trabalhadas, e o LambdaCDM tem uma vantagem de quase 30 anos, mas estou ansioso para ver se esta nova versão estendida do LambdaCDM pode combinar com precisão outras evidências observacionais de nossa cosmologia. Se real, a teoria sugere que os 95% que não conhecíamos do Cosmo tem uma solução estética: esquecemos de incluir um simples sinal de menos."

Universidade de Oxford
Scientific American Brasil

Será que explosões de supernovas mataram grandes animais oceânicos no início do Pleistoceno?


Chuva de raios cósmicos que durou milhares de anos pode ter sido responsável por evento de extinção em massa

Nasa
Remanescente de supernova nas proximidades

Cerca de 2,6 milhões de anos, atrás uma luz estranhamente brilhante apareceu no céu pré-histórico e lá permaneceu por semanas ou meses. Foi a explosão de uma supernova, a cerca de 150 anos-luz da Terra. Centenas de anos mais tarde, muito depois que a estranha luz no céu havia diminuído, um tsunami de energia cósmica gerado pela mesma explosão estelar pode ter atingido o nosso planeta e sacudido a atmosfera, desencadeando mudanças climáticas e extinções em massa de grandes animais oceânicos, incluindo uma espécie de tubarão que era do tamanho de um ônibus escolar.

Os efeitos da tal explosão de supernova na vida oceânica - e, possivelmente, de mais de uma explosão - são detalhados em um artigo publicado na revista Astrobiology.

“Venho fazendo pesquisas assim há cerca de 15 anos, e sempre, até então, elas têm sido baseadas no que sabemos sobre o Universo de forma generalista - que essas supernovas devem ter afetado a Terra em algum momento”, disse o principal autor Adrian Melott, professor emérito de física e astronomia da Universidade do Kansas. "Desta vez, é diferente. Temos evidências de eventos próximos em um período específico. Sabemos o quão longe elas estavam, então podemos calcular como isso afetou a Terra e comparar com o que sabemos sobre o que aconteceu naquela época. É muito mais específico."

Melott disse ainda que documentos recentes que revelam depósitos antigos de isótopos de ferro-60 no leito do mar forneceram a evidência do tempo e da distância das supernovas

“Já em meados da década de 1990, as pessoas diziam: `Ei, pesquise o ferro-60. É um sinal, porque não há outro jeito dessa substância chegar à Terra se não por uma supernova`. Como o ferro-60 é radioativo, se ele tivesse sido formado junto com a Terra, já teria acabado há muito tempo, então sabemos que ele caiu sobre nós. Há algum debate sobre se havia apenas uma supernova nas proximidades ou uma cadeia inteira. Eu prefiro uma combinação das duas ideias - uma grande cadeia com uma que era extraordinariamente poderosa e próxima. Se você olhar para os resíduos de ferro-60, há um pico enorme da substância 2,6 milhões de anos atrás, mas esse excesso do material é percebido de novo há 10 milhões de anos".

Os co-autores de Melott foram Franciole Marinho da Universidade Federal de São Carlos no Brasil e Laura Paulucci da Universidade Federal do ABC, também no Brasil.

De acordo com a equipe, outras evidências de uma série de explosões de supernovas foram encontradas na própria arquitetura local do Cosmo.

“Existe uma bolha local no meio interestelar”, disse Melott. “Estamos bem na fronteira dela. É uma região gigante, de cerca de 300 anos-luz. É basicamente um gás muito quente e de densidade muito baixa - quase todas as nuvens de gás foram varridas para fora daqui. A melhor maneira de fabricar uma bolha assim é com o sopro cada vez maior de um monte de supernovas, e isso parece se encaixar com a teoria de que houve uma cadeia delas. Quando realizamos cálculos, eles são baseados na idéia de que quando uma supernova apaga, sua energia alcança Terra e esse é o fim da história. Mas, dentro da Bolha Local, os raios cósmicos meio que quicaram nos lados, e a chuva de raios cósmicos duraria de 10.000 a 100.000 anos. Assim, é possível imaginar uma série dessas coisas gerando mais e mais os raios cósmicos dentro da Bolha Local, e disparando raios cósmicos em direção à Terra por milhões de anos."

Quer tenha havido ou não uma supernova ou uma série delas, a energia da supernova que espalhava camadas de ferro-60 em todo o mundo também fazia com que partículas penetrantes chamadas múons caíssem na Terra, causando câncer e mutações - especialmente em animais maiores.

"A melhor descrição de um múon é a de um elétron muito pesado - um múon é cem vezes mais massivo que um elétron", disse Melott. "Eles são muito penetrantes. Sempre há muitos deles nos atravessando. Quase todos passam inofensivamente, mas cerca de um quinto da nossa dose de radiação vem dos múons. Quando essa onda de raios cósmicos chega, a quantidade de múons pode ser multiplicada por algumas centenas. Apenas uma pequena fração deles irá interagir de alguma forma, mas quando o número é tão grande e sua energia tão alta, há um aumento de mutações e de câncer - esses seriam os principais efeitos biológicos. A taxa de câncer aumentaria em cerca de 50% para um animal do tamanho de um ser humano - e quanto maior for o organismo, pior é. Para um elefante ou uma baleia, a dose de radiação aumenta muito.”

Uma supernova de 2,6 milhões de anos pode estar relacionada a uma extinção da megafauna marinha no limite do período Plioceno-Pleistoceno, onde se estima que 36% dos animais desse tipo foram extintos. A extinção se concentrava em águas costeiras, onde organismos maiores captavam uma dose maior de radiação dos múons.

Segundo os autores do novo artigo, os danos causados pelos múons estenderiam-se por centenas de metros nas águas oceânicas, tornando-se menos severos em maiores profundidades: "Múons de alta energia podem chegar mais fundo nos oceanos, sendo o agente mais relevante do dano biológico à medida que a profundidade aumenta,” eles escrevem.

De fato, um animal marinho famoso por ser grande e feroz que habitava as águas rasas pode ter sido condenado pela radiação da supernova.

“Uma das extinções que aconteceu há 2,6 milhões de anos foi o Megalodonte", disse Melott. "Imagine o grande tubarão branco do filme “Tubarão”, que era enorme - e esse é o Megalodonte, mas ele era mais ou menos do tamanho de um ônibus escolar. Eles simplesmente desapareceram naquela época. Então, podemos especular que pode ter algo a ver com os múons. Basicamente, quanto maior a criatura, maior o aumento da radiação.”

O pesquisador da KU disse que a evidência de uma supernova, ou uma série delas, é “outra peça do quebra-cabeça” para esclarecer as possíveis razões para a extinção do Plioceno-Pleistoceno.

“Não há realmente nenhuma boa explicação para a extinção da megafauna marinha”, disse Melott.

“Essa poderia ser uma explicação. É uma mudança de paradigma - sabemos que algo aconteceu e quando aconteceu. Então, pela primeira vez podemos realmente investigar e procurar pelas coisas de forma definitiva. Agora podemos ser entender definitivamente quais os efeitos de radiação de uma forma que não era possível antes.”

Universidade de Kansas
Scientific American Brasil

Massa total de micróbios que habitam profundezas da Terra é centenas de vezes maior do que a de todos os seres humanos juntos


Massa total de micróbios que habitam profundezas da Terra é centenas de vezes maior do que a de todos os seres humanos juntos
Projeto mapeou seres vivos que vivem em condições extremas

Gaetan Borgonie, Extreme Life Isyensya, Belgium


Um nematóide (eucariota) em um biofilme de micro-organismos. Este nematoide não identificado (Poikilolaimus sp.) da mina de ouro de Kopanang, na África do Sul, vive 1,4 km abaixo da superfície.


A vida na Terra Profunda corresponde a 15 a 23 bilhões de toneladas de carbono - centenas de vezes mais do que a dos corpos de todos os seres humanos somados.

Certas bactérias "zumbis", das quais mal se pode dizer que estão vivas, e outras formas de vida constituem uma imensa quantidade de carbono que se esconde nas profundezas da Terra. No total, elas representam de 245 a 385 vezes mais do que a massa de carbono combinada de todos os seres humanos na superfície. É o que descobriu um projeto científico internacional que por dez anos vasculhou os segredos mais íntimos da Terra.

Estas e outras descobertas feitas pelos participantes do projeto Observatório de Carbono Profundo foram relatadas segunda-feira, véspera da reunião anual da União Geofísica Americana. Entre os achados apresentados estavam a quantidade e a diversidade de formas de vida que existem na subsuperfície profunda, enfrentando extremos de pressão, temperatura e baixa disponibilidade de nutrientes.

Ao perfurar 2,5 km sob o leito marinho, e coletar amostras micróbios de minas continentais e poços de mais de 5 km de profundidade, os cientistas obtiveram resultados que lhes permitiram construir modelos do ecossistema que existe nas profundezas do planeta.

Baseando-se no levantamento feito em centenas de locais sob continentes e mares, eles se aproximaram do tamanho da biosfera profunda - 2 a 2,3 bilhões de quilômetros cúbicos (quase o dobro do volume de todos os oceanos) - bem como da massa de carbono da vida profunda: 15 a 23 bilhões de toneladas (uma média de pelo menos 7,5 toneladas de carbono por quilômetro cúbico abaixo da superfície).

O trabalho também ajuda a determinar os tipos de ambientes extraterrestres que poderiam sustentar a existência de vida.

Entre muitas descobertas importantes destacam-se:

-A biosfera profunda constitui um mundo que pode ser visto como uma espécie de Galápagos subterrânea, e inclui membros de todos os três domínios da vida: bactérias, archaea (micróbios sem núcleo ligado à membrana) e eucariontes (micróbios ou organismos multicelulares com células que contêm um núcleo, bem como organelas ligadas à membrana).

-Dois tipos de micróbios - bactérias e archaea - dominam a Terra Profunda. Existem milhões de tipos distintos, a maioria ainda a ser descoberta ou caracterizada. Essa assim chamada "matéria escura" microbiana amplia dramaticamente nossa perspectiva sobre a árvore da vida. Cientistas da vida subterrânea dizem que cerca de 70% das bactérias e archaea da Terra vivem no subsolo.

-Micróbios profundos são frequentemente muito diferentes de seus primos da superfície, com ciclos de vida em escalas de tempo quase geológicas, se alimentando, em alguns casos, de nada mais do que a energia das rochas

-A diversidade genética da vida abaixo da superfície é comparável ou supera a de cima da superfície.

-Embora as comunidades microbianas subsuperficiais difiram muito entre os ambientes, certos gêneros e grupos taxonômicos superiores são onipresentes - eles aparecem por todo o planeta.



-A riqueza da comunidade microbiana está relacionada à idade dos sedimentos marinhos, onde as células são encontradas - sugerindo que nos sedimentos mais antigos, a energia dos alimentos diminuiu com o tempo, reduzindo a comunidade microbiana.

-Os limites absolutos da vida na Terra em termos de temperatura, pressão e disponibilidade de energia ainda não foram encontrados. Os registros são continuamente quebrados. Um candidato a organismo mais quente da Terra no mundo natural é o Geogemma barossii, um organismo unicelular que se desenvolve em fontes hidrotermais no fundo do mar. Suas células, minúsculas esferas microscópicas, crescem e se replicam a 121 graus Celsius (21 graus mais quentes que o ponto de ebulição da água). A vida microbiana pode sobreviver até 122° C, o recorde alcançado em uma cultura de laboratório (em comparação, o recorde do local mais quente habitado na superfície da Terra é um deserto iraniano desabitado, a temperatura é de cerca de 71°C - a temperatura de um bife bem-passado)

-A profundidade recorde em que a vida foi encontrada no subsolo continental é de aproximadamente 5 km; o recorde em águas marinhas é de 10,5 km da superfície do oceano, uma profundidade de extrema pressão; a uma profundidade de 4000 metros, por exemplo, a pressão é aproximadamente 400 vezes maior do que a do nível do mar.

A precisão cada vez maior e o custo decrescente do sequenciamento de DNA, juntamente com avanços nas tecnologias de perfuração em águas profundas (pioneirismo do navio científico japonês Chikyu, projetado para perfurar em muito o solo marinho em algumas das regiões mais ativas sismicamente do planeta) tornou possível aos pesquisadores dar o primeiro olhar detalhado sobre a composição da biosfera profunda.

Existem esforços comparáveis para perfurar cada vez mais profundamente os ambientes continentais, usando dispositivos de amostragem que mantêm a pressão para que a vida microbiana seja preservada (acredita-se que eles não representem nenhuma ameaça ou benefício à saúde humana).

Para estimar a massa total da vida subcontinental profunda da Terra, por exemplo, os cientistas compilaram dados sobre a concentração de células e a diversidade microbiana de diversos locais ao redor do globo.

Liderados por Cara Magnabosco, do Centro de Biologia Computacional do Instituto Flatiron, em Nova York, uma equipe internacional de pesquisadores e cientistas que pesquisam a subsuperfície criaram um conjunto de considerações, incluindo o fluxo de calor global, temperatura, profundidade e litologia - características físicas das rochas em cada local - para estimar que o subsolo continental hospeda 2 a 6 × 10 ^ 29 células.

Combinado com as estimativas da vida subsuperficial sob os oceanos, a biomassa global total da Terra Profunda é de aproximadamente 15 a 23 petagramas (15 a 23 bilhões de toneladas) de carbono.

De acordo com Mitch Sogin, do Laboratório Biológico Marinho Woods Hole, EUA e copresidente da comunidade Deep Life da DCO que conta com mais de 300 pesquisadores em 34 países: “Explorar o subsolo profundo é semelhante à exploração da floresta amazônica. Há vida em toda parte e em toda parte há uma imensa abundância de organismos inesperados e incomuns.”

“Estudos moleculares aumentam a probabilidade de que a matéria escura microbiana seja muito mais diversa do que conhecemos atualmente, e as linhagens mais ramificadas desafiam o conceito de três domínios introduzido por Carl Woese em 1977. Talvez estejamos nos aproximando de um nexo onde os primeiros possíveis padrões de ramificação podem ser acessíveis por meio da investigação da vida útil profunda.

"Há dez anos, sabíamos muito menos sobre as fisiologias das bactérias e micróbios que dominam a biosfera abaixo da superfície", diz Karen Lloyd, da Universidade do Tennessee, em Knoxville, EUA. "Hoje, sabemos que, em muitos locais, elas investem a maior parte de sua energia simplesmente para manter sua existência e pouco no crescimento, o que é uma maneira fascinante de viver."

"Hoje também sabemos que a vida na subsuperfície é comum. Dez anos atrás, tínhamos amostrado apenas alguns locais - os tipos de lugares que esperávamos encontrar a vida. Agora, graças à amostragem ultra profunda, sabemos que podemos encontrá-la em praticamente todos os lugares, embora a amostragem tenha alcançado, obviamente, apenas uma parte mínima da biosfera profunda."

“Nossos estudos de micróbios da biosfera profunda produziram muito conhecimento novo, mas também uma percepção e apreciação muito maior do quanto ainda precisamos aprender sobre a vida no subsolo”, diz Rick Colwell, da Universidade Estadual de Oregon, nos EUA. "Por exemplo, os cientistas ainda não conhecem todas as formas em que a vida subterrânea afeta a vida da superfície e vice-versa. E, por enquanto, só podemos nos maravilhar com a natureza dos metabolismos que permitem que a vida sobreviva às extremamente empobrecidas e proibitivas condições para a vida na Terra profunda”.

"Uma década atrás, não tínhamos ideia de que as rochas sob nossos pés poderiam ser tão vastamente habitadas. Investigações experimentais nos disseram que micróbios poderiam sobreviver a grandes profundidades; na época, não tínhamos provas, e isso se mostrou real apenas dez anos depois. Isso é simplesmente fascinante e certamente encorajará o entusiasmo em procurar a margem biótico-abiótica na Terra e em outros lugares”, disse Isabelle Daniel, da Universidade de Lyon 1, na França.

Entre os muitos enigmas remanescentes da vida profunda na Terra estão:

Movimento: Como a vida profunda se espalha - lateralmente através de rachaduras nas rochas? Para cima? Para baixo? Como pode a vida profunda ser tão semelhante na África do Sul e em Seattle, Washington? Ela teve origem semelhante e os seres foram separados por placas tectônicas, por exemplo? Ou as próprias comunidades se modificam? Que papéis os grandes eventos geológicos (como placas tectônicas, terremotos, criação de grandes províncias ígneas, bombardeios meteoríticos) desempenham em movimentos profundos da vida?

Origens: A vida começou nas profundezas da Terra (seja dentro da crosta, perto de fontes hidrotermais ou em zonas de subducção) e depois migrou em direção ao Sol? Ou a vida começou em um pequeno lago de superfície quente e desceu? Como os zumbis microbianos subsuperficiais se reproduzem ou vivem sem se dividir por milhões a dezenas de milhões de anos?

Energia: O metano, o hidrogênio ou a radiação natural (do urânio e outros elementos) são a fonte de energia mais importante para a vida profunda? Quais fontes de energia profunda são mais importantes nas diferentes configurações? Como a ausência de nutrientes, temperaturas e pressões extremas impactam a distribuição microbiana e a diversidade no subsolo?

“Mesmo no escuro e em condições energicamente desafiadoras, os ecossistemas intraterrestres evoluíram e persistiram durante milhões de anos. Expandir nosso conhecimento sobre a vida profunda inspirará novos conhecimentos sobre a habitabilidade planetária, levando-nos a entender por que a vida surgiu em nosso planeta e se a vida persistiria no subsolo marciano e em outros corpos celestes”, diz Fumio Inagaki, da Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia da Terra e Marinha.

Deep Carbon Observatory
Scientific American Brasil

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Os mistérios dos organismos que vivem nas profundezas da Terra


Cientistas estudam, há 10 anos, organismos que vivem abaixo da superfície terrestre. São milhões de seres vivos que poderiam, inclusive, habitar o subterrâneo de outros planetas. Segundo autores, o trabalho ajuda a compreender como surgiu a vida na Terra


Bactéria encontrada a 2,8km abaixo de mina na África do Sul: biosfera profunda tem o dobro do volume dos oceanos(foto: Greg Wanger e Gordon Southam/Divulgação)

Nas profundezas da Terra, um outro mundo — maior do que o nosso — é habitado por formas de vida muito diferentes das que colonizam os ecossistemas com os quais os humanos estão acostumados. Nesse universo subterrâneo, prolifera a chamada “matéria escura” microbiana; um vasto conjunto de organismos minúsculos que, embora componham 70% das bactérias e archaea do planeta, pouco são conhecidos. Mas, há 10 anos, um grupo internacional de cientistas começou a procurá-los nos subterrâneos do globo para começar a desvendar os segredos desse curioso domínio.

No encontro anual da União Americana de Geofísica, o consórcio apresentou um balanço de descobertas e afirmou que os resultados, até agora, sugerem que micróbios podem habitar o subterrâneo de outros planetas. Os estudos poderão ajudar a compreender como a vida surgiu na Terra, além de fornecer informações mais robustas sobre ciclos de captura e absorção de carbono, por exemplo.



Os milhões de organismos detectados — a maioria dos quais ainda esperando ser caracterizada — vivem em condições inóspitas à vida da superfície do planeta e, ao menos em tese, poderiam se adaptar ao clima e à composição química de outros mundos. Os cientistas do Observatório de Carbono Profundo (Deep Carbon Observatory, em inglês), apelidaram esse ecossistema de Galápagos das profundezas, em referência ao arquipélago riquíssimo e único em biodiversidade.

Setenta por cento da biota subterrânea é composta por bactérias “zumbis” — que parecem mais mortas que vivas, na descrição do grupo — e pelos seres archaea, semelhantes a bactérias, mas geneticamente diversos. A massa de carbono desse mundo é até 385 superior a de todos quase 7 bilhões de humanos da superfície, revelaram os cientistas do DCO, sigla em inglês do observatório. Para chegar a essas descobertas, os mais de 300 participantes, ao longo de uma década de pesquisas, perfuraram 2,5km abaixo do nível do mar, coletaram amostras de micróbios em minas continentais e furaram poços com mais de 5km nesses locais.

Com base no que estudaram em centenas de subterrâneos continentais e oceânicos, os pesquisadores estimaram o tamanho da biosfera profunda: de 2 bilhões a 2,3 bilhões de quilômetros cúbicos, aproximadamente o dobro do volume de todos os oceanos. Também estimaram a massa de carbono de seus habitantes: entre 15 e 23 bilhões de toneladas — uma média de 7,5 toneladas de carbono por quilômetro cúbico dos subterrâneos. “Explorar as profundezas da Terra é como explorar a floresta Amazônica”, compara Mitch Sogin, vice-presidente do DCO e pesquisador do Laboratório de Biologia Marinha Woods Hole, nos EUA. “Há vida por todo lugar, e em todo lugar há uma abundância de organismos inesperados e incomuns.”

Diversidade genética


De acordo com os cientistas do projeto, os micróbios das profundezas são bem diferentes dos primos da superfície. Alguns deles sequer se alimentam; apenas retiram energia das rochas. “Dez anos atrás, sabíamos muito menos sobre a fisiologia das bactérias e dos micróbios que dominam a biosfera abaixo da superfície”, diz Karen Lloyd, da Universidade do Tennessee, em Knoxville “Hoje, sabemos que, em muitos lugares, eles investem a maior parte de sua energia simplesmente para manter sua existência e pouco para o crescimento, o que é uma maneira fascinante de viver”, considera.

Embora aparentemente simples, porém, esses seres têm diversidade genética comparável ou maior ainda que a de micro-organismos da superfície. “Os estudos moleculares aumentam a probabilidade de que a matéria escura microbiana seja ainda muito mais diversa do que sabemos atualmente”, diz.


Resistência ao calor
Os limites absolutos da vida nas profundezas do planeta em termos de temperatura, pressão e disponibilidade de energia ainda são desconhecidos. Atualmente, acredita-se que o Geogemma barossii, um organismo unicelular que se desenvolve em fontes hidrotermais no fundo do mar, seja o mais resistente ao calor, suportando 121ºC (21 graus a mais que o ponto de ebulição da água). Em laboratório, um micróbio pode sobreviver até 122ºC, o recorde alcançado até hoje. Já maior profundidade em que a vida foi encontrada no subterrâneo continental é de aproximadamente 5 km; o recorde em águas marinhas é de 10,5km da superfície do oceano, condição de extrema pressão: a uma profundidade de 4 mil metros, por exemplo, a pressão é aproximadamente 400 vezes maior do que no nível do mar.


Muitos enigmas permanecem a respeito do universo das profundezas. Por exemplo: como a vida se espalha? Lateralmente, por meio de rachaduras em rochas? A vida subterrânea é semelhante independentemente da região do planeta? Os micro-organismos têm origens similares e, depois, foram separados por placas tectônicas? A vida na Terra começou nas profundezas e depois se moveu em direção ao Sol? Como os micróbios “zumbis” se reproduzem e mesmo vivem sem se dividir? Qual a principal fonte de energia desses seres? “

“Nossos estudos da biosfera profunda produziram muito conhecimento novo, mas também geraram uma percepção muito maior do quanto ainda precisamos aprender sobre a vida no subsolo”, diz Rick Colwell, da Universidade Estadual de Oregon. “Por exemplo, os cientistas ainda não sabem todas as maneiras pelas quais a vida subterrânea profunda afeta a vida da superfície e vice-versa. E, por enquanto, só podemos nos maravilhar com a natureza dos metabolismos que permitem que a vida sobreviva sob as condições extremamente empobrecidas e proibitivas das profundezas”.

Sífilis volta a ser epidemia no Brasil e preocupa especialistas


Preocupa, especialmente, o crescimento da sífilis entre recém-nascidos. O total de casos da forma congênita da doença passou 

 Ingrid Soares 


Seminário discutiu formas de combate à sífilis nesta quinta-feira(foto: Bárbara Nascimento/Esp CB/DA Press)

A sífilis voltou a ser uma epidemia no Brasil, e o alto número de infectados preocupa especialistas da saúde. O relaxamento da população no uso de preservativos e a falta de conclusão dos tratamentos por parte dos pacientes dificultam o combate à doença, que se tornou uma das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) mais recorrentes entre jovens adultos, gestantes e idosos no país. 


Dados do Boletim Epidemiológico da Sífilis 2018 mostram que a taxa de detecção da sífilis adquirida aumentou de 44,1 para cada grupo de 100 mil habitantes, em 2016, para 58,1/100 mil em 2017. No mesmo período, a sífilis em gestantes cresceu de 10,8 casos por mil nascidos vivos para 17,2. Já a sífilis congênita, passou de 21.183 casos em 2016 para 24.666 em 2017. O número de óbitos por sífilis congênita foi de 206 casos em 2017, enquanto em 2016, haviam sido 195.
Para debater formas de frear o crescimento da doença, o Correioreuniu especialistas nesta quinta-feira (13/12), durante o seminário Correio Talks: Infecções sexualmente transmissíveis e o combate à sífilis no Brasil.

Graduada em medicina pela Universidade de Brasília (UnB) e com mestrado em infectologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Valéria Paes ressaltou no evento a importância de se alertar a população para a questão das ISTs. "Muitas pessoas ainda acham que essas doenças não existem mais. Ou não sabem bem como se prevenir. É sempre bom alertar que é possível ter uma sexualidade boa e saudável", defendeu a infectologista.

Falta de informações sobre a penicilina 
Segundo Adele Benzaken, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV) do Ministério da Saúde, ainda existe uma resistência com relação à penicilina, tanto por parte do paciente quanto de alguns profissionais de saúde, muitas vezes mal orientados. 

"A penicilina é o remédio mais indicado para o tratamento", explica Adele. "Um dos principais trabalhos de prevenção é a boa orientação médica ou a procura do paciente ao consultório ainda nos primeiros sintomas da doença. Se a sífilis for diagnosticada no início, a cura é mais rápida", afirmou. 


O preconceito e o medo do julgamento social, no entanto, ainda afeta pacientes, que, muitas vezes resistem em informar o médico que fizeram sexo sem preservativo. Esse cenário atrapalha o diagnóstico precoce da doença, avalia Eliana Bicudo, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia. 

"Não é sempre que os sintomas aparecem, por isso é preciso atenção. A transparências nas consultas é essencial para manter a saúde do paciente. E o debate não é só em torno da sífilias, mas de todas as doenaças sexualmente transmissíveis", frisou.

Risco para os bebês
A especialista destacou ainda que a sífilis é um dos microrganismos sexualmente transmissíveis mais preocupantes por conta das complicações que pode causar. Quando a doença é congênita, ou seja, transmitida de mãe para filho, há um risco de comprometimento do sistema neurológico da criança. Se não for tratada, pode colocar em risco, inclusive, a vida do bebê. 

"A mãe e o pai devem fazer o tratamento. O que se observa é que os homens, muitas vezes, não o concluem, e não ficam 100% curados. Eles têm maior resistência", acrescentou.

Cientistas descobrem que proteína ligada ao Alzheimer pode ser transmitida


Segundo os autores, o resultado da pesquisa pode ajudar a entender mecanismos ainda obscuros da doença neurodegenerativa

Vilhena Soares
(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)


A origem do Alzheimer intriga especialistas. Já se sabe que o acúmulo de proteínas beta-amiloide no cérebro está relacionado ao desenvolvimento da doença neurodegenerativa. Agora, pesquisadores ingleses identificaram indícios de que essa condição pode ser repassada. Eles transplantaram em ratos tecidos cerebrais com placas de beta-amiloide retirados de cadáveres humanos e observaram que a proteína se propagou no cérebro dos animais. Os investigadores deixam claro que o trabalho não mostra que o Alzheimer é transmissível. Na verdade, ajuda a entender possíveis novos mecanismos ligados à doença. Os resultados foram publicados na última edição da revista britânica Nature.

Em 2015, a mesma equipe encontrou evidências da patologia amiloide — o acúmulo da proteína — em pessoas que desenvolveram a doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD) após tratamentos com o hormônio HGH, extraído de glândulas pituitárias removidas de cadáveres. A técnica era usada na década de 1970 para tratar pessoas com problemas de crescimento.

A hipótese principal da equipe era de que a beta-amiloide foi acidentalmente transmitida aos pacientes por meio desse tratamento médico antigo, desencadeando a CJD. “Nosso estudo anterior descobriu que alguns indivíduos que desenvolveram CJD muitos anos após o tratamento também tinham depósitos no cérebro dessa proteína característica da doença de Alzheimer”, explica, em comunicado, John Collinge, um dos autores do trabalho e pesquisador do Institute of Prion Diseases.

Para o estudo atual, a equipe rastreou alguns lotes de HGH com os quais os pacientes foram tratados e os analisou, confirmando que as amostras ainda tinham níveis significativos de proteínas beta-amiloide. “Nossas descobertas de agora confirmam a suspeita de que esse hormônio realmente contém sementes da proteína beta-amiloide encontrada na doença de Alzheimer e que isso se mantém por muito tempo”, ressalta o autor. O uso de HGH cadavérico foi substituído por hormônio sintético que não carrega o risco de transmitir a CJD.

Em uma segunda etapa, os pesquisadores testaram se esse material era capaz de semear a patologia. Para isso, injetaram amostras dos frascos de hormônio em camundongos geneticamente modificados para serem propensos à patologia beta- amiloide. As cobaias apresentaram patologia no cérebro. Já os grupos de ratos que receberam hormônio de crescimento sintético ou tecido cerebral normal não mostraram o mesmo padrão.

Sem contágio
Segundo os autores, os resultados demonstram que os lotes originais de HGH contêm proteínas beta-amiloide que podem semear patologia amiloide em camundongos, mesmo após décadas de armazenamento, e que certos procedimentos médicos precisam ser mais bem avaliados. “Nós, agora, fornecemos evidências experimentais para apoiar nossa hipótese de que a patologia beta-amiloide pode ser transmitida para pessoas por meio de materiais contaminados. Mas ainda não podemos confirmar se procedimentos médicos ou cirúrgicos já causaram a doença de Alzheimer em si, ou quão comum seria adquirir patologia amiloide dessa maneira”, reforça Collinge.

Os pesquisadores fazem questão de ressaltar que os resultados não mostram um contágio de Alzheimer de pessoa para pessoa. “É muito importante enfatizar que não há nenhuma sugestão em nosso trabalho de que se pode pegar a doença de Alzheimer, ou mesmo a CJD, pelo contato com uma pessoa doente. Nossas descobertas destacam a necessidade de fazer mais pesquisas nessa área”, frisa Collinge.

Otávio Castello, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer na regional do Distrito Federal, acredita que o estudo britânico mostra dados que condizem com suspeitas na área neurológica. “A novidade é que eles conseguiram confirmar essa propagação por meio de animais vivos”, destaca. “Mas isso não quer dizer que a doença seja transmissível, até porque eles não provocaram o Alzheimer nos animais, apenas um dos fatores envolvidos. É importante frisar isso para não criar um alarde.”

O especialista enfatiza que novos dados relacionados ao Alzheimer, como os divulgados pelos cientistas ingleses, são de extrema importância para a área médica. “É uma doença que ainda não tem suas origens bem determinadas, esse é mais um passo para uma maior compreensão dessa enfermidade”, explica.


Palavra de especialista

Em condições excepcionais
“Esse novo trabalho contribui para a discussão em curso das semelhanças entre os mecanismos de distúrbios neurodegenerativos, em particular o Alzheimer e o Parkinson. Ambas as doenças são caracterizadas por proteínas que se espalham pelo cérebro e causam demência. Como visto, a transmissibilidade do amiloide é claramente muito baixa e, portanto, ocorrerá apenas sob condições excepcionais em seres humanos. O tratamento de pacientes com extratos cerebrais humanos é, obviamente, uma dessas condições excepcionais e foi encerrado há mais de 30 anos para evitar esse problema. A segunda via de transmissão possível é via transfusão de sangue. Essa tem sido uma preocupação no campo há algum tempo, e vários estudos usando ratos que foram similarmente geneticamente ‘preparados’ para desenvolver sintomas semelhantes aos do Alzheimer mostraram que essa rota de transmissão é teoricamente possível, mas esses resultados também forneceram evidências reais de que qualquer risco desse tipo é extremamente pequeno. No entanto, vale a pena monitorar esses riscos”.
Bart De Strooper, diretor do Instituto de Pesquisa em Demência no Reino Unido

"É muito importante enfatizar que não há nenhuma sugestão em nosso trabalho de que se pode pegar a doença de Alzheimer (…) pelo contato com uma pessoa doente”
John Collinge, pesquisador do Institute of Prion Diseases

"Isso não quer dizer que a doença seja transmissível, até porque eles não provocaram o Alzheimer nos animais, apenas um dos fatores envolvidos”
Otávio Castello, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer/Distrito Federal

Uma só noite maldormida causa desequilíbrio e pode provocar quedas


Uma noite maldormida é suficiente para comprometer o controle da postura e deixar a pessoa mais vulnerável a quedas. Constatação feita por cientistas britânicos serve de alerta aos idosos, que costumam enfrentar maior dificuldade para descansar

Vilhena Soares

(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)

Apenas uma noite de sono ruim pode atrapalhar a sua postura e o seu equilíbrio, segundo cientistas ingleses. Com a ajuda de monitores tecnológicos, eles avaliaram um grupo de voluntários e observaram ambas as complicações naqueles que apresentavam dificuldade para dormir. Os pesquisadores acreditam que os resultados servem como alerta principalmente para as pessoas mais velhas, um dos grupos que mais sofrem com noites maldormidas. Ao realmente descansarem, os idosos podem reduzir o risco de quedas, que também são recorrentes nessa etapa da vida. As descobertas foram publicadas na revista especializada Scientific Reports.

O fato de os distúrbios de sono a longo prazo, como a privação, afetarem o equilíbrio é bem conhecido na área médica. Mas os pesquisadores ingleses resolveram se concentrar em mudanças mais esporádicas, inspirados na experiência pessoal do principal autor do estudo. “De onde essa ideia veio? Pela observação direta de que, quando meu sono é perturbado por qualquer motivo, minha capacidade de controlar meu equilíbrio no dia seguinte é reduzida”, conta ao Correio Leandro Pecchia, pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade de Warwick.

Pecchia e sua equipe analisaram um grupo de 20 jovens adultos saudáveis (12 mulheres e oito homens), que foram submetidos à avaliação de equilíbrio e de sono durante dois dias consecutivos. Sensores vestíveis de última geração foram usados para o monitoramento do sono dos voluntários em casa. Depois, eles foram avaliados, em laboratório, por meio de testes de equilíbrio.

Para a surpresa dos cientistas, apenas uma única noite ruim diminuiu o controle de postura dos participantes. O equilíbrio foi avaliado em testes em que voluntários tinham que desempenhar atividades como ficar em pé só com o suporte de um dos membros inferiores. Os indivíduos com deterioração de curto prazo na quantidade e na qualidade do sono exibiram alterações significativas no equilíbrio.

Por outro lado, aqueles sem mudanças significativas não apresentaram grandes alterações. “Esses resultados confirmaram nossa hipótese de que mudanças na qualidade do sono e no padrão ao longo de dias consecutivos pode afetar o equilíbrio”, frisa Pechhia. “Os resultados obtidos em voluntários que são sadios são surpreendentes, dada a capacidade que os jovens adultos têm de compensar tais interrupções agudas e de curta duração. Esperaríamos efeitos mais dramáticos se esses experimentos tivessem sido feitos em pessoas mais velhas, cuja vulnerabilidade à interrupção do sono, a hipotensão postural e o risco de quedas são muito maiores”, complementa Francesco Cappuccio, chefe do programa Sleep, Health & Society da Universidade de Warwick, e um dos envolvidos na pesquisa.

Risco cotidiano

Rafael Vinhal, médico do sono e psiquiatra, acredita que a pesquisa mostra dados interessantes, que acompanham um tema que tem sido bastante explorado. “Muitos estudos têm mostrado os riscos e os prejuízos das noites maldormidas, problemas como o jet lag, por exemplo, e das privações mais longas de sono. Mas essa pesquisa se diferencia por mostrar como apenas um tempo curto de dano ao sono, algo do cotidiano, também pode ter um prejuízo considerável à saúde”, explica.

O especialista alerta que o sono é negligenciado pela maioria das pessoas, independentemente da faixa etária. “Elas se queixam de problemas como memória e desequilíbrio e não enxergam que isso pode estar ligado ao sono. Passamos um terço do dia dormindo, o sono é essencial para a atenção. Isso é importante, principalmente para pessoas que trabalham com veículos e maquinários, por exemplo”, detalha.

Segundo o cientista, o trabalho atual é o primeiro a focar nas “consequências do amanhã geradas pelo sono pobre de hoje”. Se essa relação for confirmada em um estudo com a população idosa, o trabalho poderá realmente levar a uma intervenção inovadora com o objetivo de prever quedas iminentes, acredita Pecchia. A próxima etapa do estudo poderá considerar voluntários com outro perfil. “Vamos medir a extensão desse fenômeno em idosos ou pacientes que sofrem de várias doenças. Claramente, esse é o próximo passo. Tendo observado uma variação tão grande em adultos jovens, que são mais capazes de se adaptar, podemos esperar um efeito ainda pior em indivíduos mais velhos ou em sujeitos mais frágeis. Por exemplo, os enfermos”, diz.

Desajuste total

“Como osteopata, trabalho muito com essa questão de alterações sensoriais e da postura, e muitos estudos têm relacionado esses fatores ao sono. Pessoas com psicossomáticos, como quem passa por ansiedade frequente, não conseguem ter um sono reparador, e, automaticamente, esses problemas são desencadeados. Elas não conseguem recuperar a musculatura, pois uma das funções do sono é justamente essa. Há também prejuízo da noção sensorial — como você consegue identificar o espaço, o próprio equilíbrio. Resumindo, problemas para dormir provocam uma espécie de bagunça nos sistemas. No momento, temos trabalhado técnicas osteopáticas que ajudam os pacientes a relaxarem, e sempre vemos que, com a melhora da qualidade do sono, as dores começam a desaparecer. Assim como mostrado no estudo, esses resultados mostram como a qualidade do sono é fundamental para a saúde.”

Carlos Magno, fisioterapeuta e osteopata da clínica Ibphysical, em Brasília

Aplicação preventiva 
Após uma noite de sono comprometida, se a pessoa está em forma e com boa saúde, o corpo dela é capaz de se adaptar e desenvolver uma estratégia para manter o equilíbrio. No caso de idosos, o corpo nem sempre responde da melhor forma. “Essa capacidade é reduzida com o envelhecimento ou quando há outras condições concomitantes”, explica Leandro Pecchia, pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade de Warwick.


Pessoas internadas também estão entre as mais vulneráveis. Por isso, o cientista britânico acredita que os resultados da pesquisa que liderou podem contribuir para a prevenção a quedas hospitalares. “Pacientes idosos hospitalizados encontram-se em uma condição frágil, dormindo em um ambiente desconhecido, com luz noturna incomum, ruídos de outros pacientes e enfermeiros e, talvez, recebendo mais de uma droga. Acordar para ir ao banheiro pode ser mais desafiador do que podemos imaginar”, destaca. “Um dos problemas na prevenção de quedas é que sabemos que um sujeito frágil vai cair, mas é muito difícil prever quando. Esse é o primeiro passo para encontrar uma solução.”


Priscilla Mussi, geriatra e coordenadora de Geriatria do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, acredita que a pesquisa britânica mostra, de forma mais detalhada, pontos que são vistos com frequência na área. “É frequente ver que os pacientes que dormem mal caem mais. Muitos deles relatam um desequilíbrio. Quando isso ocorre, já perguntamos sobre a qualidade de sono da pessoa”, diz.


A médica conta que é recomendado que sejam prescritos a idosos antidepressivos que não interfiram no sono. Há também uma prevenção quanto a complicações neurodegenerativas. “Sabemos também que um sono de qualidade pode reduzir as chances de demência. Por isso, a preocupação com as noites maldormidas na terceira idade tem sido maior”, reforça Mussi. 


"Um dos problemas na prevenção de quedas é que sabemos que um sujeito frágil vai cair, mas é muito difícil prever quando. Esse é o primeiro passo para encontrar uma solução”


Leandro Pecchia, pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade de Warwick e líder do estudo