quinta-feira, 5 de abril de 2012

Entenda a criação da célula sintética

A bactéria controlada por um genoma artificial é o primeiro passo para a criação de formas de vida artificiais. Veja infográfico

Natasha Madov
Foto: Divulgação
Colônia de bactérias M. mycoides vista por microscópio eletrônico: vida a partir da vida

“Viver, errar, triunfar, criar vida a partir da vida”. Esta frase de James Joyce está literalmente inserida no código genético de uma pequena célula chamada Mycoplasma mycoides JCVI-syn 1.0, o primeiro organismo que vive com um DNA completamente montado em laboratório. E não foi por acaso.

O feito, anunciado na quinta-feira (20), aconteceu graças a um trabalho de 15 anos, 40 milhões de dólares e uma equipe de 20 pessoas, capitaneada por Craig Venter, o responsável pelo seqüenciamento do genoma humano, há dez anos. Embora seja tentador rotulá-lo como a criação de vida artificial, ainda não é o caso: o DNA, embora montado em laboratório, é o de uma espécie, Mycoplasma mycoides, e foi inserido em outra espécie, a Mycoplasma capricolum. É como se, em vez de pegar um livro de instruções já existente, a equipe de Venter redigitou todos seus capítulos, colocando umas alterações aqui e ali (como o trecho de Joyce acima e um endereço de website) para diferenciá-lo do DNA natural da célula.

Daí veio a novidade: depois de algum tempo, as células de M. capricolum começaram a ler as novas instruções, e iniciaram a produção das proteínas da M. mycoides, se comportando e aparentando ser a própria. Para todos os efeitos, ela tinha se transformado em uma Mycoplasma mycoides.

A vida que veio do computador: como os cientistas criaram a célula sintética

Foto: Arte/iG


A analogia com computadores, que Venter usou em uma coletiva de imprensa, também é válida: o “sistema operacional” de fábrica da bactéria foi trocado por outro, criado em laboratório, e ela começou a se comportar como o novo software mandava. Ainda assim, é vida a partir da vida, e não vida a partir do zero.
Aplicações e implicações
Venter acredita que este avanço tenha aplicações práticas bem interessantes. “É um conjunto de ferramentas bastante poderoso: podemos produzir vacinas de forma bem mais rápida do que atualmente, e criar algas unicelulares que podem capturar dióxido de carbono e transformá-lo em combustível, como diesel e gasolina,” afirmou durante a coletiva. Contou já ter acordos com Novartis e Exxon Mobil para ambas as pesquisas.

As implicações éticas também estão ali. Embora Venter tenha submetido todo o trabalho a comissões de bioética, o estudo com certeza faz repensar na definição de vida. “Temos uma oportunidade inédita para pensar na origem da vida, e ver como um genoma realmente funciona,” escreveu em artigo na Nature Mark Bedau, professor de filosofia do Reed College, nos Estados Unidos. Steen Rasmussen, da Universidade do Sul da Dinamarca, escreveu na mesma revista: “... construir vida usando materiais e designs diferentes vai nos ensinar mais sobre sua natureza do que reproduzir formas de vida tais quais como as conhecemos”. O primeiro passo está dado.

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