sábado, 22 de março de 2014

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Glória em Vênus
Espetáculo luminoso observado em outro planeta pela primeira vez revela propriedades de nuvens

C. Wilson/P. Laven/ESA
Essa imagem simulada mostra como uma glória seria vista em Vênus (esquerda) e na Terra (direita).
 
George Musser e Revista Nature

Se você olhar pela janela de um avião e observar sua sombra nas nuvens, poderá ter a sorte de ver uma ‘glória’: um padrão de círculos concêntricos, parecido com um pequeno arco-íris circular em tons pastel ao redor da sombra. A sonda Venus Express, da Agência Espacial Europeia, obteve a primeira imagem desse fenômeno em outro planeta. A imagem foi captada em 24 de julho de 2011 e publicada esta semana. A Nature explora como as glórias ocorrem, como são diferentes de arco-íris e o que essa descoberta significa.

O que produz uma glória?

Assim como um arco-íris, uma glória é essencialmente uma imagem altamente distorcida do Sol refletida por gotículas de água ou outros aerosois na atmosfera. A maneira como ela se forma, porém, difere em detalhes importantes do efeito de prisma que produz o arco mais vasto de um arco-íris, e sua física é surpreendentemente sutil. Tentativas realizadas por teóricos em óptica para compreender como funcionam as glórias não tiveram sucesso até os anos 80, quando o físico Moysés Nussenzveig, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mostrou que sua principal causa é um processo conhecido como “tunelamento de ondas”. Isso acontece quando raios de sol refletidos por uma gotícula não entram de fato nela – como é o caso dos arco-íris – mas simplesmente passam por perto. De qualquer forma, isso altera as ondas eletromagnéticas dentro da gotícula. Essas ondas ficam se movendo ali dentro e acabam tunelando para fora, enviando raios de luz de volta na direção em que vieram. A ressonância no interior da gotícula depende do comprimento de onda, e por isso a luz branca é dividida no espectro de cores.

Quando é possível ver uma glória?

Para ver uma glória é preciso ficar de costas para o Sol, para que os raios refletidos voltem na direção de sua linha de visão. Um bom local de observação, além de uma janela de avião, é um pico montanhoso que fique acima das nuvens ou da neblina. O padrão em forma de alvo envolverá a sombra projetada por sua cabeça – dando-lhe a aparência de um santo da iconografia cristã. De fato, admiradores do fenômeno especulam que todos os halos que vemos ao redor da cabeça de santos e místicos na verdade são reproduções de glórias atmosféricas. Samuel Taylor Coleridge descreveu a aura no poema “Constância a um Objeto Ideal”. Devido ao preciso alinhamento visual necessário, cada pessoa verá a glória ao redor de sua própria cabeça, mas não de outras.

O que cientistas já observaram?

A Venus Express, que orbita o planeta-irmão da Terra desde 2006, observou glórias em abril e em julho de 2011. Quando a sonda estava de costas para o Sol, ela observou diretamente as nuvens de Vênus e identificou o característico padrão de círculos concêntricos, com cerca de 1.200 quilômetros de diâmetro. Wojciech Markiewicz do Instituto Max Planck para a Pesquisa do Sistema Solar em Göttingen, na Alemanha, e seus colaboradores, relatam a descoberta em um artigo que deve ser publicado em Icarus. Ainda que a missão Pioneer dos anos 70 e 80 tenha observado arcos de nuvem [cloudbows], que são um outro tipo de fenômeno, essa é a primeira observação de uma glória extraterrestre completa.

Essa descoberta serve algum propósito maior, ou é só uma coisa bonitinha?

A glória é um indicador sensível das condições nas nuvens de Vênus que, além de serem compostas de ácido sulfúrico e envolverem completamente o planeta, há muito fascinam cientistas planetários. Essas nuvens contribuem para o efeito estufa que torna Vênus tão infernal. Alguma substância nas nuvens é responsável por metade da energia solar absorvida pelo planeta, e dá ao planeta sua cor amarelada. Mas pesquisadores ainda não sabem que substância é essa.

O simples fato de uma glória conseguir se formar sugere que as gotículas de água têm forma esférica e tamanho uniforme. De acordo com a equipe de Markiewicz, a posição dos aneis concêntricos indica que as gotículas têm 1,2 micrômetros de diâmetro, e o brilho relativo de aneis diferentes indica que o índice de refração do fluído da gotícula excede o do ácido sulfúrico. A imagem simulada, à esquerda, mostra como o tamanho reduzido das partículas das nuvens de Vênus (se comparadas aos típicos 10 a 40 micrômetros de nuvens terrestres) faz com que as bordas coloridas fiquem mais distantes do que pareceriam a partir da Terra. Markiewicz e coautores sugerem que as gotículas têm cloreto de ferro no interior ou átomos de enxofre na camada externa. Os dois componentes foram sugeridos em 1980 como candidatos a esse misterioso absorvedor, e ambos são interessantes para a história geral do planeta. O enxofre está ligado ao vulcanismo e ao aquecimento decorrente de efeito estufa; o cloreto de ferro levanta a pergunta: o que teria lançado compostos de ferro a 70 quilômetros de altura?

Este artigo foi reproduzido com permissão da revista Nature. O artigo foi publicado pela primeira vez em 14 de março de 2014.
Revista Scientific American Brasil

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