Cientistas estudam, há 10 anos, organismos que vivem abaixo da superfície terrestre. São milhões de seres vivos que poderiam, inclusive, habitar o subterrâneo de outros planetas. Segundo autores, o trabalho ajuda a compreender como surgiu a vida na Terra

Bactéria encontrada a 2,8km abaixo de mina na África do Sul: biosfera profunda tem o dobro do volume dos oceanos(foto: Greg Wanger e Gordon Southam/Divulgação)
Nas profundezas da Terra, um outro mundo — maior do que o nosso — é habitado por formas de vida muito diferentes das que colonizam os ecossistemas com os quais os humanos estão acostumados. Nesse universo subterrâneo, prolifera a chamada “matéria escura” microbiana; um vasto conjunto de organismos minúsculos que, embora componham 70% das bactérias e archaea do planeta, pouco são conhecidos. Mas, há 10 anos, um grupo internacional de cientistas começou a procurá-los nos subterrâneos do globo para começar a desvendar os segredos desse curioso domínio.
No encontro anual da União Americana de Geofísica, o consórcio apresentou um balanço de descobertas e afirmou que os resultados, até agora, sugerem que micróbios podem habitar o subterrâneo de outros planetas. Os estudos poderão ajudar a compreender como a vida surgiu na Terra, além de fornecer informações mais robustas sobre ciclos de captura e absorção de carbono, por exemplo.
Os milhões de organismos detectados — a maioria dos quais ainda esperando ser caracterizada — vivem em condições inóspitas à vida da superfície do planeta e, ao menos em tese, poderiam se adaptar ao clima e à composição química de outros mundos. Os cientistas do Observatório de Carbono Profundo (Deep Carbon Observatory, em inglês), apelidaram esse ecossistema de Galápagos das profundezas, em referência ao arquipélago riquíssimo e único em biodiversidade.
Setenta por cento da biota subterrânea é composta por bactérias “zumbis” — que parecem mais mortas que vivas, na descrição do grupo — e pelos seres archaea, semelhantes a bactérias, mas geneticamente diversos. A massa de carbono desse mundo é até 385 superior a de todos quase 7 bilhões de humanos da superfície, revelaram os cientistas do DCO, sigla em inglês do observatório. Para chegar a essas descobertas, os mais de 300 participantes, ao longo de uma década de pesquisas, perfuraram 2,5km abaixo do nível do mar, coletaram amostras de micróbios em minas continentais e furaram poços com mais de 5km nesses locais.
Com base no que estudaram em centenas de subterrâneos continentais e oceânicos, os pesquisadores estimaram o tamanho da biosfera profunda: de 2 bilhões a 2,3 bilhões de quilômetros cúbicos, aproximadamente o dobro do volume de todos os oceanos. Também estimaram a massa de carbono de seus habitantes: entre 15 e 23 bilhões de toneladas — uma média de 7,5 toneladas de carbono por quilômetro cúbico dos subterrâneos. “Explorar as profundezas da Terra é como explorar a floresta Amazônica”, compara Mitch Sogin, vice-presidente do DCO e pesquisador do Laboratório de Biologia Marinha Woods Hole, nos EUA. “Há vida por todo lugar, e em todo lugar há uma abundância de organismos inesperados e incomuns.”
Diversidade genética
De acordo com os cientistas do projeto, os micróbios das profundezas são bem diferentes dos primos da superfície. Alguns deles sequer se alimentam; apenas retiram energia das rochas. “Dez anos atrás, sabíamos muito menos sobre a fisiologia das bactérias e dos micróbios que dominam a biosfera abaixo da superfície”, diz Karen Lloyd, da Universidade do Tennessee, em Knoxville “Hoje, sabemos que, em muitos lugares, eles investem a maior parte de sua energia simplesmente para manter sua existência e pouco para o crescimento, o que é uma maneira fascinante de viver”, considera.
Embora aparentemente simples, porém, esses seres têm diversidade genética comparável ou maior ainda que a de micro-organismos da superfície. “Os estudos moleculares aumentam a probabilidade de que a matéria escura microbiana seja ainda muito mais diversa do que sabemos atualmente”, diz.
Resistência ao calor
Os limites absolutos da vida nas profundezas do planeta em termos de temperatura, pressão e disponibilidade de energia ainda são desconhecidos. Atualmente, acredita-se que o Geogemma barossii, um organismo unicelular que se desenvolve em fontes hidrotermais no fundo do mar, seja o mais resistente ao calor, suportando 121ºC (21 graus a mais que o ponto de ebulição da água). Em laboratório, um micróbio pode sobreviver até 122ºC, o recorde alcançado até hoje. Já maior profundidade em que a vida foi encontrada no subterrâneo continental é de aproximadamente 5 km; o recorde em águas marinhas é de 10,5km da superfície do oceano, condição de extrema pressão: a uma profundidade de 4 mil metros, por exemplo, a pressão é aproximadamente 400 vezes maior do que no nível do mar.
Muitos enigmas permanecem a respeito do universo das profundezas. Por exemplo: como a vida se espalha? Lateralmente, por meio de rachaduras em rochas? A vida subterrânea é semelhante independentemente da região do planeta? Os micro-organismos têm origens similares e, depois, foram separados por placas tectônicas? A vida na Terra começou nas profundezas e depois se moveu em direção ao Sol? Como os micróbios “zumbis” se reproduzem e mesmo vivem sem se dividir? Qual a principal fonte de energia desses seres? “
“Nossos estudos da biosfera profunda produziram muito conhecimento novo, mas também geraram uma percepção muito maior do quanto ainda precisamos aprender sobre a vida no subsolo”, diz Rick Colwell, da Universidade Estadual de Oregon. “Por exemplo, os cientistas ainda não sabem todas as maneiras pelas quais a vida subterrânea profunda afeta a vida da superfície e vice-versa. E, por enquanto, só podemos nos maravilhar com a natureza dos metabolismos que permitem que a vida sobreviva sob as condições extremamente empobrecidas e proibitivas das profundezas”.
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