terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Uma só noite maldormida causa desequilíbrio e pode provocar quedas


Uma noite maldormida é suficiente para comprometer o controle da postura e deixar a pessoa mais vulnerável a quedas. Constatação feita por cientistas britânicos serve de alerta aos idosos, que costumam enfrentar maior dificuldade para descansar

Vilhena Soares

(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)

Apenas uma noite de sono ruim pode atrapalhar a sua postura e o seu equilíbrio, segundo cientistas ingleses. Com a ajuda de monitores tecnológicos, eles avaliaram um grupo de voluntários e observaram ambas as complicações naqueles que apresentavam dificuldade para dormir. Os pesquisadores acreditam que os resultados servem como alerta principalmente para as pessoas mais velhas, um dos grupos que mais sofrem com noites maldormidas. Ao realmente descansarem, os idosos podem reduzir o risco de quedas, que também são recorrentes nessa etapa da vida. As descobertas foram publicadas na revista especializada Scientific Reports.

O fato de os distúrbios de sono a longo prazo, como a privação, afetarem o equilíbrio é bem conhecido na área médica. Mas os pesquisadores ingleses resolveram se concentrar em mudanças mais esporádicas, inspirados na experiência pessoal do principal autor do estudo. “De onde essa ideia veio? Pela observação direta de que, quando meu sono é perturbado por qualquer motivo, minha capacidade de controlar meu equilíbrio no dia seguinte é reduzida”, conta ao Correio Leandro Pecchia, pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade de Warwick.

Pecchia e sua equipe analisaram um grupo de 20 jovens adultos saudáveis (12 mulheres e oito homens), que foram submetidos à avaliação de equilíbrio e de sono durante dois dias consecutivos. Sensores vestíveis de última geração foram usados para o monitoramento do sono dos voluntários em casa. Depois, eles foram avaliados, em laboratório, por meio de testes de equilíbrio.

Para a surpresa dos cientistas, apenas uma única noite ruim diminuiu o controle de postura dos participantes. O equilíbrio foi avaliado em testes em que voluntários tinham que desempenhar atividades como ficar em pé só com o suporte de um dos membros inferiores. Os indivíduos com deterioração de curto prazo na quantidade e na qualidade do sono exibiram alterações significativas no equilíbrio.

Por outro lado, aqueles sem mudanças significativas não apresentaram grandes alterações. “Esses resultados confirmaram nossa hipótese de que mudanças na qualidade do sono e no padrão ao longo de dias consecutivos pode afetar o equilíbrio”, frisa Pechhia. “Os resultados obtidos em voluntários que são sadios são surpreendentes, dada a capacidade que os jovens adultos têm de compensar tais interrupções agudas e de curta duração. Esperaríamos efeitos mais dramáticos se esses experimentos tivessem sido feitos em pessoas mais velhas, cuja vulnerabilidade à interrupção do sono, a hipotensão postural e o risco de quedas são muito maiores”, complementa Francesco Cappuccio, chefe do programa Sleep, Health & Society da Universidade de Warwick, e um dos envolvidos na pesquisa.

Risco cotidiano

Rafael Vinhal, médico do sono e psiquiatra, acredita que a pesquisa mostra dados interessantes, que acompanham um tema que tem sido bastante explorado. “Muitos estudos têm mostrado os riscos e os prejuízos das noites maldormidas, problemas como o jet lag, por exemplo, e das privações mais longas de sono. Mas essa pesquisa se diferencia por mostrar como apenas um tempo curto de dano ao sono, algo do cotidiano, também pode ter um prejuízo considerável à saúde”, explica.

O especialista alerta que o sono é negligenciado pela maioria das pessoas, independentemente da faixa etária. “Elas se queixam de problemas como memória e desequilíbrio e não enxergam que isso pode estar ligado ao sono. Passamos um terço do dia dormindo, o sono é essencial para a atenção. Isso é importante, principalmente para pessoas que trabalham com veículos e maquinários, por exemplo”, detalha.

Segundo o cientista, o trabalho atual é o primeiro a focar nas “consequências do amanhã geradas pelo sono pobre de hoje”. Se essa relação for confirmada em um estudo com a população idosa, o trabalho poderá realmente levar a uma intervenção inovadora com o objetivo de prever quedas iminentes, acredita Pecchia. A próxima etapa do estudo poderá considerar voluntários com outro perfil. “Vamos medir a extensão desse fenômeno em idosos ou pacientes que sofrem de várias doenças. Claramente, esse é o próximo passo. Tendo observado uma variação tão grande em adultos jovens, que são mais capazes de se adaptar, podemos esperar um efeito ainda pior em indivíduos mais velhos ou em sujeitos mais frágeis. Por exemplo, os enfermos”, diz.

Desajuste total

“Como osteopata, trabalho muito com essa questão de alterações sensoriais e da postura, e muitos estudos têm relacionado esses fatores ao sono. Pessoas com psicossomáticos, como quem passa por ansiedade frequente, não conseguem ter um sono reparador, e, automaticamente, esses problemas são desencadeados. Elas não conseguem recuperar a musculatura, pois uma das funções do sono é justamente essa. Há também prejuízo da noção sensorial — como você consegue identificar o espaço, o próprio equilíbrio. Resumindo, problemas para dormir provocam uma espécie de bagunça nos sistemas. No momento, temos trabalhado técnicas osteopáticas que ajudam os pacientes a relaxarem, e sempre vemos que, com a melhora da qualidade do sono, as dores começam a desaparecer. Assim como mostrado no estudo, esses resultados mostram como a qualidade do sono é fundamental para a saúde.”

Carlos Magno, fisioterapeuta e osteopata da clínica Ibphysical, em Brasília

Aplicação preventiva 
Após uma noite de sono comprometida, se a pessoa está em forma e com boa saúde, o corpo dela é capaz de se adaptar e desenvolver uma estratégia para manter o equilíbrio. No caso de idosos, o corpo nem sempre responde da melhor forma. “Essa capacidade é reduzida com o envelhecimento ou quando há outras condições concomitantes”, explica Leandro Pecchia, pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade de Warwick.


Pessoas internadas também estão entre as mais vulneráveis. Por isso, o cientista britânico acredita que os resultados da pesquisa que liderou podem contribuir para a prevenção a quedas hospitalares. “Pacientes idosos hospitalizados encontram-se em uma condição frágil, dormindo em um ambiente desconhecido, com luz noturna incomum, ruídos de outros pacientes e enfermeiros e, talvez, recebendo mais de uma droga. Acordar para ir ao banheiro pode ser mais desafiador do que podemos imaginar”, destaca. “Um dos problemas na prevenção de quedas é que sabemos que um sujeito frágil vai cair, mas é muito difícil prever quando. Esse é o primeiro passo para encontrar uma solução.”


Priscilla Mussi, geriatra e coordenadora de Geriatria do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, acredita que a pesquisa britânica mostra, de forma mais detalhada, pontos que são vistos com frequência na área. “É frequente ver que os pacientes que dormem mal caem mais. Muitos deles relatam um desequilíbrio. Quando isso ocorre, já perguntamos sobre a qualidade de sono da pessoa”, diz.


A médica conta que é recomendado que sejam prescritos a idosos antidepressivos que não interfiram no sono. Há também uma prevenção quanto a complicações neurodegenerativas. “Sabemos também que um sono de qualidade pode reduzir as chances de demência. Por isso, a preocupação com as noites maldormidas na terceira idade tem sido maior”, reforça Mussi. 


"Um dos problemas na prevenção de quedas é que sabemos que um sujeito frágil vai cair, mas é muito difícil prever quando. Esse é o primeiro passo para encontrar uma solução”


Leandro Pecchia, pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade de Warwick e líder do estudo 

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